O Cérebro que Dorme Mal: Impactos e Deficiências da Privação de Sono
- Dra. Fernanda Schimidt
- 2 de abr.
- 6 min de leitura
A Relação entre a Privação do Sono e as Doenças Psiquiátricas e Metabólicas Crônicas.
Por Dra. Fernanda Schimidt
Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial
CROPR: 28 694
Dormir mal não afeta apenas o humor e a disposição. A insônia e a privação de sono operam em dois níveis fundamentais: o da saúde mental e o da saúde metabólica. A relação entre sono e psiquiatria é estreita, pois distúrbios do sono estão presentes na maioria dos transtornos psiquiátricos, como depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia. No nível metabólico, a falta de sono está ligada a doenças como diabetes tipo 2, obesidade, doenças cardiovasculares, dtm.
O ciclo vigília-sono é fundamental para a homeostase do organismo. Enquanto a vigília está associada ao gasto energético, estímulo cognitivo e atividade motora, o sono é o período de recuperação, consolidação de memórias e regulação emocional.
Os problemas de sono podem ser agudos (como uma noite mal dormida ocasional) ou crônicos (quando a privação se torna recorrente), e seu impacto é dose-dependente: quanto mais severa e frequente a privação, maior o comprometimento da saúde.
O Que Nos Induz ao Sono?
Dois mecanismos principais regulam o sono:
1. Mecanismo homeostático (químico): Durante o dia, o organismo utiliza ATP (adenosina trifosfato) como principal fonte de energia para todas as suas atividades. O ATP é uma espécie de "moeda de energia", que se quebra ao longo do tempo, liberando energia e se convertendo em ADP (adenosina difosfato). Esse processo libera adenosina, que se acumula no cérebro e sinaliza a necessidade de descanso, aumentando a pressão para dormir. No entanto, a cafeína interfere nesse mecanismo ao se ligar aos receptores de adenosina, bloqueando sua ação e impedindo que o cérebro reconheça a fadiga, o que pode atrasar e prejudicar o ciclo natural do sono. Durante o sono profundo, que é a fase essencial para o descanso, a adenosina acumulada é eliminada do cérebro por meio de uma lavagem. Quando uma pessoa acorda se sentindo cansada, isso pode indicar que não atingiu um sono profundo suficiente, resultando em um descanso superficial e menos reparador.
2. Mecanismo circadiano: O ciclo circadiano regula processos biológicos ao longo do dia, influenciando temperatura corporal, fome, libido e alerta. O cortisol, hormônio do estresse, é essencial para a vigília matinal, mas seu excesso ao longo do dia pode atrasar a indução ao sono. Alterar esse ritmo com estímulos inadequados, como luz azul à noite ou ingestão excessiva de cafeína, pode desregular o ciclo e comprometer a qualidade do sono.
As 4 Principais Deficiências Relacionadas à Privação do Sono
A falta de sono afeta diversas funções cognitivas e sociais. Entre as principais deficiências estão:
1. Deficiências atencionais: Prolongar o período de vigília faz com que o cérebro acumule adenosina, pressionando para dormir e gerando microlapsos atencionais. O tálamo, estrutura responsável por filtrar os estímulos sensoriais (visão, audição, tato) e selecionar quais informações devem ser processadas pelo córtex, fica desregulado. Isso resulta em uma dificuldade de concentração, onde estímulos irrelevantes também chamam atenção, dificultando o foco. Além disso, o tálamo desregulado favorece a ativação da rede de modo padrão, um estado em que a mente divaga sem controle, deixando a pessoa "viajando na maionese". Estudar privado de sono, portanto, é um grande erro, pois o cérebro não consegue filtrar e consolidar informações corretamente.
2. Problemas no processamento de recompensas: O sistema dopaminérgico, que regula a sensação de prazer e motivação, é afetado pela falta de sono, podendo levar a impulsividade e comportamentos de risco. A privação de sono afeta profundamente o sistema de recompensa do cérebro, causando um desarranjo na interação entre o córtex pré-frontal e o estriado. Essa desconexão faz com que o sistema de recompensa fique desregulado, comprometendo a capacidade de controlar impulsos e tomar decisões equilibradas. A pessoa se torna mais impulsiva e tem maior dificuldade em se permitir recompensas a longo prazo, afetando decisões relacionadas a dieta, treino, compras, jogos e vícios. Além disso, a privação de sono aumenta a presença de adenosina no cérebro, o que diminui a sensibilidade e a disponibilidade dos receptores de dopamina no sistema de recompensa, através de um processo chamado downregulation. Isso torna a pessoa mais impulsiva, mais ansiosa e com menos controle sobre o comportamento, pois o córtex pré-frontal, que é responsável pela regulação do comportamento, não consegue agir de maneira eficiente.
A privação de sono também prejudica a capacidade de calcular as recompensas. A pessoa começa a cometer erros no cálculo de qual recompensa vale mais a pena ou se o esforço é proporcional à recompensa, afetando decisões de longo prazo e ampliando o risco de comportamentos impulsivos. A dificuldade em avaliar a probabilidade de recompensa faz com que escolhas de alto risco pareçam mais atraentes, levando a um ciclo de tomadas de decisões mais prejudiciais.
3. Dificuldades sociais: A privação de sono reduz a empatia e a capacidade de interpretar emoções alheias, tornando interações sociais mais desafiadoras. A privação de sono tem um impacto significativo nas interações sociais, afetando a maneira como processamos emoções e nos relacionamos com os outros. Quando uma pessoa não dorme o suficiente, as amígdalas do cérebro, que são responsáveis por processar emoções, especialmente o medo e a ameaça, se tornam mais ativas e reativas. Isso significa que a pessoa está constantemente em um estado de alerta, mais propensa a perceber o mundo como ameaçador, o que pode gerar uma resposta emocional excessiva em situações cotidianas. Além disso, a privação de sono diminui a conectividade entre a amígdala e o córtex pré-frontal, região responsável pelo controle racional e pela regulação emocional. Com essa desconexão, a capacidade de controlar impulsos e lidar com as emoções de forma equilibrada diminui, afetando negativamente a interação social.
Isso se traduz em uma dificuldade maior de interpretar corretamente as emoções dos outros, tornando a pessoa menos sensível e com um espectro reduzido para detectar sinais emocionais, como expressões faciais. Em termos práticos, isso significa que uma pessoa privada de sono tem uma capacidade menor de ler as expressões emocionais de outras pessoas e de reagir adequadamente. O que antes poderia ser uma situação de empatia ou compreensão, pode ser percebido de maneira errada, levando a reações inadequadas e um impacto negativo nas relações sociais. A pessoa pode também agir com mais indiferença ou responder de maneira desproporcional às situações, o que prejudica ainda mais a qualidade das interações.
4. Problemas de memória: O hipocampo, região cerebral essencial para a consolidação de memórias, é particularmente sensível à falta de sono. A privação crônica reduz a capacidade de armazenar e recuperar informações, prejudicando o aprendizado. O sono é essencial para a consolidação das memórias, e sua privação afeta diretamente o hipocampo, uma das áreas cerebrais mais importantes para a formação de novas memórias. A memória no nível celular e neuronal depende de processos que ocorrem durante o sono, especialmente o sono profundo, que é responsável por fortalecer as conexões sinápticas entre os neurônios. Quando o sono é interrompido ou insuficiente, esses processos não acontecem de forma eficiente, prejudicando a capacidade de aprender e armazenar novas informações. A privação crônica de sono reduz a plasticidade neural, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e reorganizar suas conexões em resposta a novas experiências. Isso diminui a capacidade de aprender e adquirir novas memórias, tornando mais difícil a retenção de informações e a adaptação a novas situações.
A longo prazo, a falta de sono pode levar a uma diminuição da atividade neuronal no hipocampo, o que, com o tempo, resulta em atrofia dessa região. A atrofia hipocampal é um processo irreversível em casos de privação crônica de sono. Com a perda de células nervosas e a diminuição da função do hipocampo, o impacto na memória se torna mais profundo, prejudicando não apenas o aprendizado de informações novas, mas também a recuperação e o uso de memórias antigas. Isso pode levar a sérios problemas de memória e, em casos mais graves, a um declínio cognitivo acelerado. Manter um sono regular e de qualidade é essencial para a saúde mental, emocional e física. Entender os mecanismos que regulam o sono e as consequências da sua privação permite tomar medidas para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar geral.
Se você, por qualquer motivo, dorme mal, procure ajuda, pode ser Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono ou DTM e Bruxismo. Agende sua consulta.
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